Texto excelente: Educação e as novas tecnologias.


Introdução

Quando nós professores nos referimos às Novas Tecnologias, a interpretação mais simplista e talvez também mais freqüente, nos leva a associar as “tecnologias” a esses mais ou menos sofisticados recursos didáticos (computadores, projetores, vídeo interativo, leitores digitais, multimídia…) sobre os quais temos lido e que, segundo dizem, podem ser utilizados no ensino. O adjetivo novas vem justificar porque nós ainda não dispomos de tais meios, e serve, de certo modo, para tranqüilizar nossa consciência inovadora.


Conceitos Básicos

Considero importante recordar duas das acepções que se dão ao termo tecnologia no dicionário da Real Academia Espanhola, procurando evitar a redução de seu significado ao de dispositivos ou aparelhos: Conjunto dos conhecimentos próprios de um ofÍcio mecânico ou arte industrial; e conjunto dos instrumentos e procedimentos industriais de um determinado setor ou produto.

Deveríamos perguntar, no entanto, por quanto tempo podemos considerar “novos” os conhecimentos, instrumentos e procedimentos que continuam surgindo como resultado do desenvolvimento cultural da humanidade. Dada a velocidade do desenvolvimento tecnológico na atualidade, torna-se cada vez mais difícil continuar aplicando o termo “novas” às tecnologias que permitem, por exemplo, a gravação do sinal de televisão em fita magnética (o que se conseguiu pela primeira vez em 1956), ou às que deram origem aos primeiros microcomputadores, na década de 70. O computador pessoal e o vídeo continuam sendo, no entanto, os dois elementos básicos de qualquer classificação das Novas Tecnologias na educação. A consideração em paralelo desses dois elementos dá lugar, há bastante tempo, à dicotomia entre as Novas Tecnologias da Informação, de um lado, e as Novas Tecnologias Audiovisuais, de outro.

O primeiro destes termos, Novas Tecnologias da Informação está diretamente associado, como já salientamos, ao mundo da informática. No entanto, e nos atendo ao entendimento da tecnologia expresso acima, qualquer conhecimento, procedimento ou instrumento utilizado para a produção, difusão, transmissão, classificação, armazenamento, gravação, codificação-decodificação, interpretação, etc., da informação, poderia ser considerado como tecnologia mais ou menos “nova”, da informação. Tal informação, verbal ou icônica, poderia estar contida em qualquer suporte. Mas, ao falarmos das Novas Tecnologias da Informação, a codificação da maior parte dessa informação, que geralmente aparece na tela (monitor) de um computador, até bem pouco tempo era predominantemente verbal e fundamentalmente escrita. Agora, e à medida que os novos processadores dos computadores pessoais permitem o tratamento de som, de imagens fixas e em movimento, a linguagem audiovisual vai se incorporando cada vez mais à tela do computador.

As Novas Tecnologias Audiovisuais na educação têm seus antecedentes imediatos na utilização de projetores e gravadores de som, a partir da metade deste século. O aparecimento da televisão educativa e o uso dos gravadores magnéticos de imagem e som (videocassetes), produziram um grande avanço na utilização de representações audiovisuais e verbo-icônicas nas instituições escolares. Hoje em dia, como já salientamos, a digitalização e o tratamento informático da informação audiovisual, bem como a conjugação de meios, já não nos permitem mais falar de tecnologias da informação e de tecnologias audiovisuais separadamente. Um novo conceito, que pressupõe a integração dos meios, códigos e linguagens, irrompeu com força equivalente ao grau de confusão que gerou no mundo das novas tecnologias: Multimídia.

Os novos materiais e aplicações “multimídia” acrescentam à sua característica mais definidora (a integração de linguagens e formas de representação: imagem, som e texto) outra não menos importante: a interatividade, a possibilidade de relação e de resposta mútua entre o usuário e o meio.

A Eclosão das Novas Tecnologias Multimídia

A generalização de novas tecnologias como as auto-estradas de informação, a realidade virtual, os satélites de comunicações, os sistemas de compressão de dados, a televisão interativa, etc. e o rápido desenvolvimento e implantação das mesmas no processamento da informação nos sistemas de comunicação têm, como é lógico, importantes repercussões no mundo da educação. Entretanto, as inovações em educação costumam ser adotadas em ritmo muito lento, a ponto de se constatar algumas vezes que determinados novos aparelhos e suportes multimídia já estão desaparecendo do mercado, substituídos por outros, quando no mundo da educação ainda se está discutindo a sua possível incorporação como meios didáticos. O ritmo frenético no desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação praticamente impossibilita a indispensável reflexão sobre seus efeitos.

Existe o perigo de que a escola permaneça alheia à evolução da sociedade na qual se supõe integrada, e na qual se ingerem os educandos, e por isso se veja cada vez mais distante de seus interesses. Roger Whittaker comenta que enquanto a pedagogia tradicional e a ignorância dos professores limitam a aprendizagem de novas tecnologias na escola, e os pais tecnófobos pouco ajudam em casa, o computador e os videojogos (videogames) oferecem à criança um lugar de independência, longe do controle do adulto. As instituições de educação formal poderiam ser consideradas, desta perspectiva, mais como obstáculos do que como agentes facilitadores do desenvolvimento da criança e da sociedade em geral.


O atraso na evolução da educação, comparativamente a outros setores da sociedade – como a indústria — ainda que preocupante, não é tão grande como a distância que pode vir a existir entre a educação tecnológica – ou educação multimídia – nos países desenvolvidos, e a educação que recebem os habitantes dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Poderíamos, portanto, argumentar que é urgente usar as novas tecnologias por sua função liberadora, colocando-as ao alcance de todos os povos, objetivando uma maior igualdade de oportunidades.

O temor de perder o trem do futuro está presente tanto nas políticas educacionais dos países desenvolvidos como daqueles ainda em busca de desenvolvimento. Na sociedade da informação, como se tornou habitual classificá-la nos últimos tempos, o mercado de trabalho necessita de mão de obra especializada no manejo dos sistemas de informação e de comunicação, e se considera como obrigação dos sistemas educativos atender a tais demandas, incorporando em seus programas de educação formal a utilização de novas tecnologias. Isso se reflete com toda clareza, por exemplo, nos documentos da Comissão Européia que vem estudando o desenvolvimento de programas educativos multimídia. Tal desenvolvimento se apresenta como inquestionável, e as principais recomendações neste sentido implicam na modificação do ambiente educativo, de modo a que se torne adequado ao uso das tecnologias multimídia. Recomenda-se a modificação dos métodos de trabalho, dos papéis do professorado, a organização dos cursos e dos espaços, para que se adaptem às vantagens que oferecem as novas ferramentas educativas.

Se é real o perigo de que os sistemas educacionais se tornem totalmente defasados em relação ao desenvolvimento tecnológico, não é menos certo que com a adoção precipitada de todos os novos meios que nos são apresentados e vendidos como panacéas, correríamos o grave risco de aceitar as novas tecnologias em nossas aulas por um imperativo comercial, por medo de perder posições na corrida do progresso, sem nos perguntar sobre as implicações ideológicas ou sobre as repercussões no processo de ensino e aprendizagem.

Não podemos esquecer que a tecnologia, além de seu aspecto liberador, pode ser também uma das mais poderosas armas de repressão cultural e ideológica; se pode diminuir as diferenças culturais entre os povos, pode também aumentá-las; se possibilita uma comunicação inovadora no ensino capaz de gerar aprendizagens significativas, pode também perpetuar pedagogias autoritárias e unidirecionais.

A Integração Curricular das Novas Tecnologias

Como já destacamos, vivemos numa sociedade onde a informação e a comunicação adquiriram uma enorme importância, e a educação não pode permanecer alheia aos novos meios de processamento, elaboração, armazenamento e distribuição de tal informação, base para posteriores aprendizagens e conhecimentos. A incorporação das novas tecnologias multimídia ao ensino é inevitável, mas terá que fazer-se apoiada em postulados educativos, em abordagens didáticas, em esquemas comunicativos inovadores e multidirecionais. Uma integração satisfatória de novos e variados meios na educação exige, ainda, um professorado conhecedor de suas vantagens e inconvenientes, capaz de assumir as funções que diferentes modelos e situações de aprendizagem lhes exigem. Consequentemente, é absolutamente necessário dedicar a maior atenção possível à formação inicial e permanente dos professores.

O ensino tradicional tem sido acusado de centrar-se quase exclusivamente na transmissão de conteúdos conceituais, de utilizar um esquema de comunicação unidirecional, no qual o professor informa, facilita conhecimentos, “ensina” ao aluno; de basear-se numa concepção “bancária” do ensino, na qual o papel do aluno se reduz ao de mero receptor. Essa relação comunicativa expressaria um esquema no qual o professor-emissor, num extremo, codifica a informação, utilizando quase exclusivamente um código verbal (oral e escrito) para elaborar uma mensagem que o aluno-receptor decodifica, no outro extremo. O suporte ou canal que predomina nesse esquema tem sido, por muito tempo, o livro ou a letra impressa, e a linguagem verbal o meio por excelência.

No esquema de comunicação tradicional! o meio é um simples instrumento de ajuda ao professor transmissor, um instrumento de apoio ao ensino, sem maior importância. No entanto, com o desenvolvimento da televisão educativa e a utilização dos meios audiovisuais na sala de aula, psicólogos da aprendizagem como David Olsone Jerome Bruner começaram a se perguntar, já no início dos anos setenta, se a forma de apresentar os conteúdos e o meio utilizado não influiriam decisivamente na aprendizagem do aluno.

Esses autores seguem o caminho aberto sobretudo a partir de John Dewey, que atribuía maior importância à atividade, participação e experiência do aluno, em vez da mera aquisição de informações factuais, na educação formal. Ambos defendem modificações na educação no sentido de priorizar a importância dos processos sobre os conteúdos, criticando aqueles que acreditam que o conhecimento se adquire independentemente da forma e dos meios com que são ensinados, ou do uso que se prevê para tal conhecimento.

Olson e Bruner distinguem três modelos básicos de aprendizagem, conforme o tipo de experiência que a produz: aprendizagem por experiência direta, por observação e por interpretação do que nos é apresentado (decodificação de sistemas simbólicos). Podemos aprender que um forno aquecido queima, tocando-o; observando como alguém que o toca retira rapidamente a mão; ou porque alguém nos diz, nos transmite essa informação. A informação, o conhecimento, o conteúdo conceitual pode ser adquirido em qualquer dos três casos, mas – advertem esses autores – as habilidades e capacidades que se necessita previamente, e aquelas que se desenvolvem com a aprendizagem são diferentes, dependendo da forma de aprender. Assim, a escolha de um meio ou de outro no ensino não deve depender apenas de sua eficiência na apresentação do conhecimento, mas também dos seus efeitos sobre as capacidades mentais que se desenvolvem com a aquisição desse conhecimento. Essas capacidades e habilidades são, precisamente, as ferramentas básicas que o aluno necessita em suas posteriores aprendizagens, em sua interação com o meio, na aprendizagem por descoberta.

Do que se diz acima, pode-se deduzir a conveniência de uma educação multimídia, no sentido mais literal do termo. A variedade metodológica e de meios nas situações de ensino-aprendizagem tem duas vantagens fundamentais: a atenção à diversidade, uma vez que não se favorecerá somente a quem tem mais desenvolvidas as capacidades necessárias para o tipo de aprendizagem em questão, e o desenvolvimento de diferentes e variadas habilidades em todos os alunos, as quais, por sua vez, lhes permitem realizar novas aprendizagens de forma autônoma.

A integração de novas tecnologias como meios didáticos, como ferramentas facilitadoras do ensino-aprendizagem, não passa de um primeiro nível de introdução na educação formal. Nossos objetivos devem ser bem mais amplos. Se o que pretendemos é integrar as novas tecnologias à educação, e não nos contentar com a simples e irrefletida introdução de novos instrumentos didáticos no processo educativo, precisamos, em primeiro lugar, levantar algumas questões: como se produz a aprendizagem com multimeios? que relações comunicativas se criam? que papéis assumem professor e alunos na aprendizagem? Não podemos, no entanto, parar por aí. As novas tecnologias devem tornar-se também objeto de estudo, devem constituir-se parte dos conteúdos, que devem ser abordados sob uma perspectiva crítica e criativa; – isso é o que poderíamos considerar um segundo nível de aprofundamento nas relações entre as novas tecnologias e a educação.

Num terceiro nível, a incorporação dos meios as instituições educativas como ferramentas e como objeto de estudo, traria consigo a necessidade de uma reflexão crítica sobre sua importância na sociedade atual e o papel que, como agentes educativos, desempenham no desenvolvimento de nossos alunos.

Uma das principais funções da educação formal, tal como se considera na maior parte dos sistemas educativos, é possibilitar a formação integral e permanente do ser humano. É evidente que não poderemos formar, como se pretende, cidadãos responsáveis, protagonistas críticos, criadores e transformadores da sociedade, se a educação formal permanecer alheia às novas tecnologias que condicionam a evolução dessa sociedade, se nas instituições educativas se ignora a importância do que talvez constitua o principal agente educativo dos dias de hoje: os novos meios de comunicação e difusão da informação.

Alfonso Gutiérrez Martín

Texto traduzido de “Educación y Nuevas Tecnologias”, La Obra, Revista de Educación nº 898, abr. 1995. Buenos Aires.

Fonte: http://www.fe.unb.br/catedra/bibliovirtual/ead/educacao_e_novas_tecnologias.htm

4 Respostas to “Texto excelente: Educação e as novas tecnologias.”

  1. realmente excelente!!

    • aureliobraga Says:

      Valeu Felipe. É muito legal quando alguém ao escrever consegue sintetizar bem um assunto e ao mesmo tempo oferecer as informações necessárias para que se possa ter uma idéia legal sobre o que se está lendo. É caso desse texto!

  2. Adilson Says:

    Adorei o texto e principalmente o tema do texto, tão atual como
    notebook, datashow e etc…

    • aureliobraga Says:

      É isso aí Ailton. Temos que discutir constantemente tais mudanças, encara-las com coragem. Não aceita-las pura e simplesmente e nem virar a cara!!!
      Adorei você ter passado por aqui!
      Um abração

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